A Tentação do Rascunho Fácil: IA na Escrita Acadêmica
Por que Devemos Focar no Desenvolvimento das Habilidades Humanas
Minha mente sempre foi muito acelerada: muitas ideias ao mesmo tempo, uma encadeada na outra. Se eu fosse sentar para registrar tudo que penso, já teria tido mil outras ideias no caminho e a ideia motriz original já teria sido meio esquecida no mar de ideias subsequentes. Mas isso tudo mudou logo após meu primeiro contato com o ChatGPT, em dezembro de 2022. De repente, me deparei com uma ferramenta que conseguira me ajudar a organizer meus pensamentos. E assim, comecei a esvrever. Primeiro no LinkedIn. Agora, no Substack. Por isso, entendo que escrever pode ser uma tarefa desafiadora para muitos, especialmente para estudantes que muitas vezes dizem "não sei por onde começar".
Assim como eu fui seduzido pela chegada de modelos de linguagem de grande escala (LLMs), como o ChatGPT, tenho visto isso se tornar um grande problema em nossas salas de aula: o uso da inteligência artificial para gerar o primeiro rascunho. Essa abordagem levanta questões importantes sobre o propósito da escrita e o papel da tecnologia em nossas salas de aula.
Semana passada comecei uma reflexção sobre o assunto nesta postagem:
E semana que vem vou apresentar sobre esse assunto com uma colega na semana pedagógia da escola onde trabalho. Esta postagem é inspirada em algumas das nossas reflecções sobre o assunto, que surgiram enquanto a gente planejava nossa apresentação.
O Valor da Escrita na Educação
Eu ensino alunos a escrever redações em inglês a 18 anos. Como professor de redação e entusiasta da escrita, eu entendo a importância que é atribuída à habilidade de escrever. Inclusive, reconheço minha participação na perpetuação dessa valorização. No entanto, já passei por muito alunos que, por conta dessa valorização excessiva, sofreram consequências negativas. Nem todos precisam amar escrever ou ser escritores habilidosos para se expressar, serem criativos ou demonstrarem seu conhecimento.
Por conta dessa valorização da necessidade de “saber escrever", a chegada da IA generativa, capaz de criar textos coesos e convincentes, foi vista como uma ameaça. As pessoas (professores, alunos e profissionias), em vez de usar essas ferramentas de forma criativa, passaram a utilizá-la para fazer mais do mesmo, de maneira mais rápida e com menos esforço humano.
O Mito do Primeiro Rascunho de IA
É muito comum eu deixar de receber uma redação de um aluno porque, como eu mencionei acima, dizem "não sei por onde começar". Como também mencionei acima, eu me identifico com isso. E uma resposta cada vez mais comum que tenho recebido dos alunos é uma redação completa escrita por IA. Mas será isso culpa dos alunos? Essa ideia de deixar a IA fazer o teu trabalho por você tem se tornada tão difundida que foi incorporada a produtos de IA importantes, como o Microsoft Copilot. No entanto, essa abordagem não aproveita totalmente o potencial da tecnologia nem do escritor.
O vídeo da Microsoft apresenta o uso do Copilot como uma tecnologia assistiva que pode ajudar a escrever "primeiros rascunhos" para usuários cegos e disléxicos, mas devemos ter cuidado em como utilizamos a tecnologia para primeiros rascunhos.
O Inconsciente Computacional
Jonathan Beller, professor da Bernard College, em New York, introduziu o termo "inconsciente computacional" para explicar como a computação digital e o capitalismo se fundiram, moldando nossos pensamentos e ações sem que a gente perceba. Nos modelos de linguagem, isso significa que os algoritmos e dados influenciam a criação e compreensão dos textos, refletindo e reforçando preconceitos e ideologias existentes.
Então, percebemos que usar a IA para criar um primeiro rascunho pode incorporar esses preconceitos de forma sutil e moldar o conteúdo final de forma imperceptível. Bradley Robinson argumenta que as tecnologias de escrita automatizadas não apenas oferecem eficiência, mas também oferecem o risco de suprimir a capacidade de resistência do indivíduo, assimilando seus processos de linguagem e pensamento.
O Propósito da Escrita
Além dessas questões complexas, delegar o primeiro rascunho à IA é praticamente a mesma coisa que terceirizar essa tarefa para outra pessoa. Fora das atividades para ensinar os alunos a editar, dificilmente um professor de redação deixaria um aluno pedir a um amigo ou familiar, ou a uma IA, que escreva todo o rascunho antes de revisá-lo e entregá-lo, né? Pois é…
Quando o propósito da escrita é apenas cumprir um requisito acadêmico, faz sentido buscar atalhos. No entanto, o propósito da escrita não é apenas demonstrar conhecimento da forma mais rápida possível. Escrever é explorar o conhecimento, conectar e sintetizar ideias, criar novos conhecimentos e compartilhar o aprendido.
Resistindo à Tentação dos Atalhos
Quando os alunos usam a IA para gerar um primeiro rascunho, eles pulam 90% do trabalho, criando algo que pode até valer a pena compartilhar, mas que não os ajudou a formar e concretizar sua própria compreensão. Precisamos resistir à tentação dos atalhos e mudar o sistema para valorizar o verdadeiro propósito da escrita.
Conclusão
Independentemente de alguém amar ou odiar escrever, as pessoas fazem um trabalho melhor do que os modelos de IA ao criar ideias que valem a pena compartilhar. Embora os modelos de IA possam superar os humanos em certos testes de criatividade, o verdadeiro valor está na interação do escritor com a ideia, colocando seu toque único e perspectiva pessoal.
Devemos proporcionar oportunidades para que as pessoas enfrentem dificuldades, perseverem e vejam se conseguem superá-las. Ao fazer isso, estamos não apenas melhorando suas habilidades de escrita, mas também fortalecendo seu pensamento crítico e criatividade.